Fortaleza nos tempos de Oliveira Paiva
A Fortaleza nos tempos de Oliveira Paiva
Nos anos 1860, Fortaleza apresentava grande diversidade
étnica, composta essencialmente de portugueses, italianos, judeus, negros
africanos e índios. Não havia aristocracia, nem classe social, definidas.
Alguns se dominavam Desembargadores, Juízes, Coronéis e, sabe-se lá a
que título! Cidade pacata, iluminada pela luz fosca de lamparinas e velas,
sombreadas pelas vidraças das casas e, pelas ruas, a luz da Lua auxiliava o
bico de gás. A do Chafariz era a mais frequentada que bombeava água de poços
profundos para algumas residências no centro.
O calçamento vivia
encoberto de capim e de terra molhada. A cidade era rodeada de sítios no bairro
de Outeiro, onde se via casinhas de palha espalhadas ao longo dos caminhos que
articulavam Fortaleza ao entorno. Na rua de Baixo, que ficava entre o Largo e a
atual rua São Paulo, via-se um atropelo de carroças que desciam carregadas de
fardo de algodão, de couros, de sacas de café, e outras, que subiam com
bagagens a pouco desembarcadas do porto de Mucuripe. Os telhados enormes dos
armazéns que formavam a ala avançada das edificações da cidade, sobre as
frentes caídas pintadas de ocre, uma variação do alaranjado, iam-se praia afora.
Até 1816 não havia na Vila de Fortaleza qualquer indicação relativa aos nomes
de ruas. Somente no ano seguinte a obrigação de letreiros se tornou
obrigatório. Na Praça da Alfândega, ficava o prédio da Alfândega, que
controlava e fiscalizava a entrada e saída de mercadorias para o exterior ou
dela provenientes. Não se via a
fresca arborização. A corporatura cinzenta da fortaleza à direita, com os seus
antigos canhões negros, e a alegre fachada do quartel, dominando uma eminência
relvada onde pastavam animais, nem um fundo de cidade que ia subindo pelo manso
à medida que as rodas se moviam; nem as bojudas torres da Sé, topando no azul,
quase escondidas pelas árvores, e cujas cúpulas apareciam como cheias de ar,
semelhantes a dois balões a desprender-se e nem ouvia mesmo o sino grande, que
estava a tocar Nosso Pai. O passatempo tinha endereço: Procissões que percorriam
pelas ruas. Solitário em manto da Misericória, com o pálio roxo, enfeitado de
ouro, pirava sobre o esquife de rendas de jacarandá através dos quais, a luz
dos lampeões sagrados, se percebia no transparente do filó preto, o alvo corpo nu de Jesus Morto.
Uma arte perfeita, que espalhava por onde ia passando a Procissão, um vago e plácido sentir de boa morte. Em dias de procissões de
mortos, os sacerdotes catavam com a fronte escondida de luto. Moviam velas pelo
manso, o frio luzir das baionetas da guarda de honra, o pulsar gemente da
marcha fúnebre, o mulherio, e, atrás de tudo, a tona enorme de cabeças de
homens, a descoberto, fronte baixa, imbuíam estranho recolhimento e pesar. Nas
igrejas se ouvia constantemente o sermão da Soledade, em que o pregador em
certo ponto, desenrola ao auditório soluçante o Sudário sangrento que serviu
ao corpo de Jesus. Por outro lado, denunciava o jornal O Cearense: “repugnava
a decência pública, aos brios de uma população civilizada o asqueroso aspecto
que apresentavam algumas travesas, e mesmo ruas cheias de monturos,
principalmente na rua d`Amelia, onde se fazia publicadamente despejo de dia, e
de noite, de ciscos, animais mortos, estercos de cavalos, e até materais
fecais”. Assunto constate do jornal chamava à atenção sobre a questão da
escravidão, que dia sim, dia não, manchetava em forma de protestos, crônicas
etc.
Nesse cenário,
nascia em 12 de julho de 1861, na rua D`Amelia, 162, no bairro de Benfica, próxima da Matriz do Patrocínio, uma criança franzina, batizada na Matriz, com o
nome de Manoel de Oliveira Paiva. Tinha como vizinhos o juiz de direito da
capital, Joaquim Jorge dos Santos, casado com Luiza Crespo dos Santos; dona Maria de São Pedro Telles, proprietária
de um armazém na rua das Hortas e de uma casa térrea; Antônio Vicente Ribeiro, que tinha uma escrava
Rachel, de 19 anos; José da Silva Fialho, proprietário da escrava Cypriana, de
42 anos de idade, residiu numa casa com duas portas de frente; Maria
Antônia da Silva, proprietária de cinco escravos, morava numa casa de tijolo
com duas portas de frente. Na mesma rua ficava a Tipografia Brasileira de Paiva
e Cia, onde se publicava o jornal” O Cearense”, de origem liberal. Logo cedo, Oliveira Paiva, aprendeu as primeiras
letras com uma professora que lecionava em casa, e o ensionava pelo “Método Fácil de Aprender a
Ler”. Sua infância, pouco durou, pois algo além do horizonte, o chamava para o
curto tempo de sua existência.
Esta breve
apresentação, busca situar o leitor, no contexto em que viveu Oliveira Paiva.
Nos capítulos seguintes, temos a biografia escrita por seu sobrinho materno, José Joaquim de Oliveira Paiva, à luz das
recordações da família. Quanto a nossa modesta colaboração, se deu no sentido
de documentá-la, na medida do possível, com a prestimosa ajuda de Lúcia Bezerra
de Paiva, sobrinha neta paterna de Oliveira Paiva.

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